A Foto

Clique aqui para baixar o texto.


Tire uma foto minha para que eu possa pensar em alguma coisa. Preciso pensar em alguma coisa. A foto vai te encarar de volta, ela alerta. O que você quer ver?  Não sei. Foi você quem pediu uma foto. Você deve saber. Mostre-me seus olhos, insisto, antes que ela tire a foto. O que você vê no visor? Eu pergunto.

Ela está refletindo. Você fala com seus olhos, suas metáforas, sempre que você fala há imagens e figuras poéticas. Faz sentido? Ao mesmo tempo, ela me diz que minhas imagens são frágeis, enquanto minhas palavras têm mais força. Onde as imagens estão, você não está, ela enfatiza. Há mais alguma coisa no seu horizonte que você quer que eu revele? Ela pergunta. O verbo e o gesto, e que eles vêm do mesmo lugar no cérebro, respondo. Há um centro, uma tensão, entre meus olhos, minha mão e minha boca.

Posso escovar seu cabelo? Ela pergunta, abaixando a câmera. Não respondo, mas ela começa a escovar meu cabelo. Ela é normalmente assim, iniciadora. Você sabe que não é eterna, né? Nada é eterno. Porque as coisas são adiadas, elas vêm mais tarde. Todas as imagens são uma ideia de desejo, ela diz. Ela segue me dando uma aula enquanto toca meu cabelo, olhando lá fora, pela janela. Amo o céu azul. A velocidade da cor é tão límpida.

Conte-me mais sobre a minha foto, peço. Ele te ama de volta? Porque eu te amo de volta como um qualquer reflexo ponderando no espelho. Mesmo se você destruir a imagem, ele não vai quebrar. Meu amor por você não está na foto. Ela está em outro lugar, literalmente, quando falo isso.

Queria poder saber o que ela olha quando não está concentrada nas minhas histórias. Ela diz em voz alta: vou te transformar. Ouvindo-a falar, não sei bem dizer se é o olhar dela ou eu mesma me olhando o que me afeta.

Há velhice, um pouco de velhice em cada um de nós, ela diz, me entregando a câmera. Sua vez, ela diz. Você já tirou? Eu pergunto. Eu não esperava por isso. Quero te fotografar atravessando o tempo, é possível? Eu pergunto. Leonardo da Vinci entende a perspectiva como tudo o que você mostra por detrás de uma janela, dentro e fora, então sim, por que não?

Não sei onde estou quando penso no tempo, ela diz, olhando para a câmera na frente do meu rosto. Ela não está mais interessada em mim. Ela é capturada pelo som das notícias, algo sobre o golpe militar na Turquia, uma entrevista antiga, semanas depois. A Internet está em tempo real? Eu questiono.

Ela olha de volta para mim e eu clico, tirando a foto. Ela sorri, como se não estivesse surpresa. Homer não sabia que ele estava contando histórias, para ele o que narrava eram fatos. O que fazer com todas essas imagens? Eu só quero ver meu rosto através de seus olhos, eu digo, sem realmente explicar quão frustrante é não poder ter a experiência de outros corpos. Não faz sentido. Ela concorda.

Uma ausência é uma presença em cada imagem. Você está procurando pela totalidade? Não, digo. O que não está na foto? Quem está olhando de volta para você? O que Di Cavalcanti viu quando ele pintou a mulher de seios cônicos? É um pintor brasileiro. Não sei, digo a ela, olhando para o seu peito. Venha aqui, segure meus seios, me beije, ela me diz, enquanto eu deixo a câmera de lado, e a beijo de volta.


Conto publicado em inglês em S/tick.