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Me deito no divã e deixo minhas mãos entrelaçadas. Estou em silêncio há alguns minutos. Finalmente digo: “Tenho uma solidão profunda no peito e temo falar sobre isso. Não por causa da solidão, mas por medo de perder minha subjetividade. As palavras me escapam, tudo ficando preto.”
Estou de volta ao quarto da minha infância. É no meio da noite e posso ouvir a televisão no andar debaixo, algum filme em preto e branco que meu pai deve estar assistindo. Ele passa a madrugada na frente da tela, indo dormir quando o dia amanhece. Sua presença na sala de televisão me conforta, como um tipo de escudo protetor para o que se passa dentro da minha cabeça. Os episódios são inesperados, eu perco contato com a realidade, e desconecto. Instantes depois é como se nada tivesse acontecido.
“Eu confio em você,” digo à minha analista, com medo das minhas memórias. “Tenho a sensação de que por todos esses tentei esconder meu passado de mim, apagando minhas memórias, como se isso fosse a minha melhor proteção. Agora que estou aqui tenho a mesma sensação de que tive quando ouvia o som da televisão do meu pai no andar de baixo. Será que o andar de baixo é o inconsciente?”
Ela não responde. Em vez disso, me diz: “Era esse o seu segredo? Perder as palavras?” Não sei, penso, mas não digo nada de volta. “Você deve ter tido muito medo quando criança.” Silêncio. “Mas agora você está aqui.” Eu me levanto do sofá e levo alguns segundos para retornar à realidade. Eu lhe dou o dinheiro. Ela aperta minha mão e eu saio do consultório.
Conto publicado em inglês em InTransitions.