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Ele me diz sempre rezar pelos escravos brasileiros. Agitado, insiste numa reconciliação. O Canadá me transformou, afirma, ao menos gosto de acreditar nisto.
Aceno com a cabeça, ouvindo suas memórias, sua fuga da ditadura, trazendo consigo apenas poetas, e estrofes cheias de pecados. Quase posso ouvir sua culpa e o sino do navio.
Segurando o termômetro, sinto que ele está quente de medo, e de febre também, e apesar de saber que sua morte está próxima, continuo desejando sua melhora, esperando que Deus o salve.
Respirando com dificuldade, entendo que parte de mim está morrendo com ele, e com muitos entes queridos que vou perdendo ao longo do caminho, longe de casa porque a minha casa é onde meus pés estão plantados.
Portugal está perdoado, digo, está tudo bem. E pela primeira vez, falo com ele em português. Acrescento que também vivo adrift. E como ele, um dia também vou sentir saudade dos gansos, depois que minhas cinzas forem jogadas numa das belas montanhas desta província.
Ele tenta responder mas eventualmente o quarto fica ainda mais silencioso, suas mãos nas minhas, frias e quentes, frias e quentes, como muitos outros antes dele.
Publicado em inglês em Cirque.