Essa entrevista foi concedida ao portal Escrita Criativa, de Marcelo Spalding. Caso queira ler a entrevista no site, clique aqui.
Désirée Jung é uma escritora e tradutora brasileira-canadense que vive em Vancouver. Cursou cinema na Vancouver Film School, fez mestrado em Escrita Criativa e doutorado em Literatura Comparada na University of British Columbia. Publicou traduções, poemas e contos em revistas norte-americanas. Nesta entrevista, Desirée conta como é a rotina de uma tradutora e escritora que mora em outro país. Se você tem curiosidade em saber mais sobre este trabalho, leia a entrevista na íntegra. Toda inspiração e contribuição é sempre bem-vinda, não é verdade?
Confira a entrevista na íntegra:
Você tem uma sólida trajetória em tradução, um trabalho que exige cuidado aos detalhes. Como você faz para que o texto mantenha a sua essência mesmo passando por uma tradução?
Na verdade, eu diria que mais que uma sólida trajetória profissional como tradutora, a minha experiência de viver entre dois países, Brasil e Canadá, foi o que mais me permitiu ver o outro e a diferença de culturas como algo estranhamente atrativo. A princípio, eu tenho o costume de fazer uma versão da tradução muito próxima ao original, quase que algo primário mesmo. Depois, normalmente esqueço o original, e faço uma outra versão que, ao meu ouvido, vai soar mais próximo a língua para qual estou traduzindo. O texto final, para mim, é algo híbrido, nem tão próximo do original, nem totalmente diferente. Eu acredito que qualquer tradução é uma travessia, uma experiência, um entre lugares. E o que a meu ver é o mais importante, talvez porque como escritora eu penso assim, é o estilo, a voz daquele autor. Apesar de achar que o texto final precisa funcionar na língua para a qual está sendo traduzido, há sempre um resto, um estranhamento, que talvez tenha a ver com esse nosso encontro com um outro, seja ele um texto ou um encontro na vida.
Conte um pouco sobre o seu processo de tradução – rotina, técnicas, estudos.
Eu vim para o Canadá estudar cinema e, na verdade, eu simplesmente aprendi a tradução fazendo. Eu nunca trabalhei com tradução profissionalmente, até porque acabei focando nos meus próprios textos e na tradução deles, do que de outras pessoas. Hoje, eu confesso, faço apenas tradução dos autores que me procuram e que eu tenho algum tipo de afinidade com o texto ou com a temática do autor. Eu tenho uma vivência muito direta com o inglês, já que moro em Vancouver, e praticamente quase não falo português aqui. Por outro lado, eu escrevo muitas coisas em português também, mas grande parte da minha publicação é em inglês. Um outro ponto importante a destacar é que eu traduzo ou faço uma versão do português para o inglês, o que em muitos casos é visto com desconfiança pelo mercado, pois muitas pessoas acreditam que só deve se traduzir para a língua materna. Mas talvez por viver aqui há tanto tempo, escrevendo em inglês e vivendo na língua, nunca me imaginei fazendo de outra forma.
Além do domínio das línguas, na sua opinião, qual a formação ideal, incluindo leituras, para quem deseja trabalhar com tradução?
Eu acho que, acima de tudo, você precisa gostar da palavra. Precisa se sentir seduzido pela linguagem. É claro, precisa também gostar do que é estranho. O estrangeiro, o esquisito, as culturas que são outras, a curiosidade com esses elementos para mim é essencial. E, se possível, ter a vivência, talvez por um determinado momento, no país ou na região a qual você se interessa em traduzir.
Você publica diversos textos seus e traduções em revistas. Qual é o retorno destas publicações para o seu trabalho?
Eu acho que o mercado editorial na América do Norte e na Europa, no que tange às revistas literárias, é bem diferente do Brasil. Talvez eu esteja um pouco por fora, mas aqui é possível você acumular várias publicações sem conhecer um editor ou ter algum tipo de contato. Eu, na verdade, nunca consegui publicar muito no Brasil, talvez até por ter dificuldade de fazê-lo. O retorno é muito positivo, pois acho que há muita curiosidade, principalmente agora, pelo que sai do lugar comum.
Como você equilibra o seu trabalho de tradução com a criação e publicação de seus próprios textos?
Isso é meio complicado, pois em muitos casos eu estou criando e traduzindo os meus próprios textos também. Quando eu tenho um trabalho longo de tradução, normalmente eu foco nele, até porque sinto que preciso mergulhar dentro do autor, um pouco como vestir a sua pele. Para mim, é estranho dizer isso, mas eu preciso sentir o autor, e às vezes eu faço uma versão (claro, se não há pressão de datas, e normalmente não há, pois grande parte do que faço é para pessoas individuais, já que não trabalho para nenhuma agência), e espero um pouco para reler. Normalmente na segunda versão, eu já consigo ouvir o autor. É muito difícil isso acontecer numa primeira versão.
Pelo fato de morar no Canadá e trabalhar com tradução, você transita entre a língua portuguesa, a inglesa e a francesa. São línguas bem diferentes entre si. Como você lida com isso no seu trabalho?
Na verdade, como eu moro em Vancouver, apesar de oficialmente o Canadá ser bilíngue, neste lado do país o francês não é falado. Claro que todos os produtos que você compra no supermercado, por exemplo, têm as duas línguas escrito. Agora eu falo francês porque estudei durante anos e viajo a Montreal constantemente. Eu confesso que inglês não é a minha língua favorita, eu apenas vivo nela, e de certa maneira aprendi a gostar pois faz parte da minha experiência com a cultura norte americana, e uma certa objetividade que essa língua impõe – comparada com a francesa e a portuguesa. Por outro lado, a língua francesa para mim é apaixonante, eu sempre gostei das músicas, da cultura, e de certa maneira, eu acho que elas se complementam, e eu consigo circular entre elas muito bem. E claro, há sempre um ganho, pois a gente aprende diversas maneiras de se expressar sobre um mesmo tema, e a diversidade sempre acrescenta, nunca limita.