Laços Invisíveis

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Ela pensa não ter preconceitos, mas há momentos que precisa respirar fundo para dar conta das diferenças. A chegada na América do Sul é um desses casos – um ir e vir entre países por quase quinze anos (morando no Canadá e visitando o Brasil) enquanto pode.

Desde que a mãe adoeceu, ela vem com mais frequência. Mas o impacto é imediato: gente para todos os cantos, calor, uma desorganização geral. Isso, claro, sem sair do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Ela não consegue imaginar como deve ser a vida real lá fora, no trânsito, no coração da grande metrópole.

No aeroporto, consegue fazer o despacho das malas depois de uma pequena discussão sobre a localização do começo da fila. Um funcionário lhe ajuda e coloca sua mala na balança, explicando ao cliente seguinte que ela estava ali há bastante tempo, esperando ser atendida. A outra mulher, de camisa verde sob uma jaqueta jeans, gentilmente acena com a cabeça, sem discutir. Assim, finalmente, ela consegue atravessar a alfândega.

Pouco a pouco, a ansiedade de estar num território estrangeiro vai desaparecendo e ela começa a relaxar, se sentindo mais ao vontade ao ouvir o familiar português. Apesar disto, o caos na área de embarque lhe faz lembrar uma rodoviária, com muitas pessoas de pé esperando. Vencida, ela vai até a cafeteria mais próxima e pede um café com leite.

Depois, num local menos movimentado, consegue acessar a internet, checar seus correios eletrônicos, ligar para a mãe, cuja voz está apreensiva como quem hesita diante da sua presença. Apesar da tragédia que lhes une, as sessões de quimioterapia e as intervenções hospitalares, há uma naturalidade que toma conta dela ao ouvir e reconhecer a voz da mãe, um calmante para o seu corpo.

Ela sabe que quanto mais delicada é a situação do momento, menos ela deve contar com o quotidiano – estratégia recorrente e que lhe faz menos aflita, numa fantasia de querer controlar o incontrolável. O que faz ela voltar para casa é sempre uma urgência do amor, um desejo de realização. A certeza disto lhe traz alívio, e ela respira fundo, enquanto espera a chamada do seu voo.


Conto publicado em inglês em TreeHouse Arts.