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Sempre existe o tempo da passagem dos cavalos. Mesmo que não queiras, ele chega. É como sentir Deus. Um ímpeto desejo inesperado, que atravessa e delineia a topografia do corpo. Um cheiro de poeira, um som que distancia mas captura. Depois, aparentemente, some.
Viver confinada num corpo que ora escuta o silêncio, ora tem a boca cheia de palavras. Essa condição que pode gerar uma necessidade obsessiva de escrever tudo – obra de um determinismo genético que te antecede – criando um conto que nunca acaba, como diz Clarice Lispector.
Viver o triste e insuportavelmente belo da vida é tarefa árdua. Eu e o resto do mundo temos a compulsão de destruir tudo o que mais amamos.
No meu caso, acho que o resíduo genético (venho de uma família de quase escritores, mas reais engenheiros) ajuda, pois consegui, até o momento, reconstruir todos os meus destroços com muita habilidade, fazendo desta prática um bom gozar.
Espectros de mim que, assim iluminados, me trazem vergonha, estranhamento. O que mostra como as palavras, sim, são uma habitação sólida, que ajudam a repensar a tez vigorosa dos cavalos, a sua presença arrebatadora.
E isso dá medo porque revela uma fome que atormenta porque está profundamente dentro e determina a passagem.