O Outro Homem

Clique aqui para baixar o texto.

O marido da minha irmã gosta de andar sem camisa pela casa. Ele tem esse hábito desde que se casou com Marcia.

Não é sempre que apareço na casa deles. Meu sobrinho é bebê – como meu filho – de apenas oito meses: começou a engatinhar faz um.

“Como estão os negócios, Silvio?” Ele me pergunta, misturando aveia, banana e iogurte numa panela amarela, que se parece com a do bebê.

“Tranquilo. Às vezes é um pouco difícil trabalhar com meu pai. Ele faz muitas exigências e quer perfeição. Tem momentos que gostaria de poder desistir de tudo,” admito.

Minha esposa sai com minha irmã para um passeio –levam os bebês e suas respectivas babás junto. É uma rotina dos sábados.

Geralmente dão uma volta, param em frente de cada vitrine, parquinhos, e praças até que as crianças cansem e implorem por um descanso.

Em seguida, escolhem uma cafeteria e passam o tempo tomando café com bolinhos enquanto as babás distraem as crianças com pedacinhos de doce.

Não tenho ideia do que conversam. Sei que minha esposa sente um pouco de ciúmes de minha irmã, mesmo que não admita. Acho que fantasiam o marido ideal.

“Márcia disse que você foi promovido,” afirma Sérgio, fazendo algumas flexões antes de começar a comer. Ele tem barriga sarada e músculos definidos nas pernas.

“Sim, fui. Acontece quando seu chefe é o seu próprio pai,” digo sem falsa modéstia.

“Entendo,” diz, alongando-se.

“Patricia reclama que eu não me cuido. Agora com o bebê, é ainda mais difícil. E você ainda trabalha na academia?” Pergunto, um pouco tonto só de ver tamanha flexibilidade.

Sérgio tem apenas 25 anos, mas trabalha na academia do bairro faz cinco anos. Começou no mesmo ano em que entrou na faculdade.

“Graças a Deus. Adoro exercícios. Quero outro filho só para lhe mostrar onde trabalho. É uma vida puxada, mas vale a pena. Você deveria tentar,” enfatiza Sergio, sorrindo um sorriso aberto e me deixando envergonhado.

Não me sinto à vontade perto de outros homens, especialmente os atraentes. Sei que Sergio deve receber muitos olhares, de todos os sexos. Já eu, me sinto invisível, tenho braços brancos e marcas de camisa na pele.

“Não sei se consigo,” afirmo timidamente.

“No começo é assim mesmo. Meus clientes também têm vergonha dos próprios corpos, a maioria se acha feio. Alguns homens precisam ser incentivados. Um pouco de cuidado não faz mal a ninguém. As mulheres fazem isso, se exercitam como loucas. Sua esposa, por exemplo. Você deveria ver. Ela malha sem parar,” afirma, enxugando o suor com uma toalhinha.

“Sério?” Digo, procurando me distrair com algo, pegando um livro da prateleira, tentando ignorar tamnha presença – o corpo de um outro homem. Mas não demora muito e ele sai da sala, indo tomar banho.

A vasilha com aveia, agora vazia, fica comigo na sala de estar, junto com vários outros potes de vitaminas que ele havia tomado minutos antes. O apartamento parece uma sala de ginástica, com muitos equipamentos deixados ao lado dos brinquedos das crianças.

Nunca vivi uma intimidade com outros homens. Fui criado por mulheres, e meu pai só sabia ser gentil quando gritava. Um homem dócil e carinhoso nunca fez parte da minha vida, e talvez por isso eu seja mais fechado, diferente de homens como Sergio – atléticos, viris.

“O que você está lendo?” Sérgio pergunta, de volta e de banho tomando, com uma camiseta e um suéter em v da mesma cor.

“Nada importante,” afirmo, colocando o livro de volta na prateleira. “Não gosto de suar quando faço exercício,” continuo, me sentindo oprimido. “Você gosta de ler?”

Mas Sergio já está na cozinha, agora preparando um suco verde, que parece ser o lanche da tarde. Ele me oferece. “Preciso estudar,” completa. “Tenho um teste segunda-feira na universidade,” diz, sorrindo.

“Sem problemas. Só vim mesmo para acompanhar Patricia. Estou tentando passar mais tempo com ela, apesar do bebê. Você sabe como é,” digo, enfatizando a frase.

Mas não há resposta.

Não há nada que nos una, nem mesmo o acaso. Impossível consertar esses momentos.

É quando me lembro do seu pai, que tinha falecido quando ele era adolescente.

“Desculpe se estou sendo indiscreto, mas você não sente falta do seu pai?” Pergunto, interrompendo Sergio dos seus estudos – um livro grosso com muitas fotos.

A vida do outro homem é uma incógnita. Um corpo alheio que invejo e age como cimento sufocando minha vitalidade.

“Por que, você sente falta do seu?” Ele retruca, sem responder.

“Na verdade, me sinto cansado ao lado do meu pai,” confesso.

“Meu pai morreu jovem. Não sei muito bem o que perdi pois era pequeno. Agora que sou pai, vejo como é importante estar perto da criança.  Dar calor, um senso de direção, um Norte. Na verdade, não fico pensando nessas coisas. Me senti muito triste quando ele morreu. Mas já faz muito tempo,” explica.

O silêncio permite que o vazio ocupe o espaço.

Ligo a televisão, num volume baixo. Talvez deveria ter ficado em casa. Mas agora é tarde. Quando minha esposa volta, acompanhada da minha irmã, e sorrindo, sinto um grande alívio. Meu casamento, por muitas razões, é uma proteção contra todos os outros homens.

Quando digo adeus ao meu cunhado com um aperto de mão, sinto vontade de abraçá-lo. Talvez seja sua vitalidade, ou a força que deve ter tido para superar a morte do pai em tão tenra idade, que me impressionasse tanto. Não sei por que a presença dele aguça minha curiosidade.

Entro no elevador e ouço o choro do meu filho. Procuro por semelhanças entre nós.

“Você acha que ele se parece comigo?” Pergunto a Patricia, que está feliz depois do encontro com minha irmã.

“Claro, querido. É a sua cara,” enfatiza, acariciando a nuca dele com cuidado.

O mais estranho é que eu não saber o que isso significa.

Conto publicado em inglês em Avatar Review.