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Eu demoro muito para chegar e escrevo na residência que resiste na letra.
Sopro, inspiro e expiro as arestas, angústia anterior à palavra, vazada de começos ou princípios.
Preciso tornar apto o ar que falta quando entro e saio da primeira pessoa atravessando o pulmão de terceiras. Fecho os olhos e encaro a traqueia, que mora no meio do meu peito.
Seu ar está agarrado, ela afirma, quase suspirando.
Sei da minha dificuldade, respondo, meio a contragosto.
Tenho que trabalhar, ela alerta, pressionada pela laringe e os brônquios.
A passagem está bloqueada, repito, meu peito elevado, impedido.
Desde pequena seguro grande parte do que respiro, guardando tudo dentro de mim.
Ela se irrita. Sua voz tubular, característica do órgão cilíndrico, quer fazer diâmetro e reativar meu sistema respiratório, reconduzir o ar até os pulmões.
Estamos na horizontal, eu e ela, a cabeça no travesseiro.
Angústia e respiração são amores prometidos, eu aviso, mas raramente bem sucedidos.
Se um deles predomina, o outro morre.
É quando, num só lance, a traqueia sucede no seu saber. E sem me dar conta, deixa entrar vida, aliviando meu rosto cansado, cílios inundados, muco retido nas narinas, sem palavras que caibam no papel.
Tudo isso para dizer que da história deste corpo, sou efeito dos líquidos que de mim escorrem.
Quando não falo o que não quero saber e ainda assim sou levada no desejo destes múltiplos recipientes – que me contém, apesar de mim.