Quarto de Hotel

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O ar no ambiente é sombrio, frio, e seu voo partirá em poucas horas. Não é a primeira vez que ela se encontra com um estranho no aeroporto. Desta vez, porém, o homem se parece com seu irmão, e isso lhe perturba. Em vez de pensar nisso, se concentra na peculiaridade dos seus gestos: uma pessoa agradável de curiosidade extrema.

“Vejo figuras no céu. Uma porta aberta, uma dobradiça de estrelas.”

Ela não consegue ver o céu inteiro de onde se encontra. Em vez disso, avalia o peso do próprio cabelo contra o travesseiro. O hotel é mediano, lençóis de linho, macio na pele, sensação suave de carícias. Sentada à beira da cama, vê as unhas vermelhas dos pés. Sente-se molhada por dentro. Estranho e atípico desejo; fora de lugar, de propósito. Precisa falar alguma coisa?

“Você vê desenhos no céu? Estão por toda parte. Quero te desenhar,” ele insiste, rabiscando um pedaço de guardanapo. Minutos depois, solta o lápis e lhe pega pela cintura. “Tem alguma coisa no seu corpo, nas suas inumeráveis pintas que me faz pensar nas estrelas e no céu. Quero te tocar o tempo todo, por causa disso, num desejo de entender o que não me alcança,” completa. “Ei, estou falando contigo. Entende o que quero dizer?”

Você é muito ansioso, ela pensa, afoito por palavras entre coitos. Ela não entende o motivo. O amor, para ela, é fantasia por imagens, e não palavras. O homem lhe penetra com eficácia e ela se entrega facilmente. Há algo dentro e desconhecido que lhe escapa e do qual ela quer se ver livre. No fim, ele parece satisfeito.

“O que você faz?” Ele pergunta. “Pelo seu andar no aeroporto, seu jeito no bar do lounge, posso apostar que você trabalha como designer de roupas,” afirma. “Acertei?”, acrescenta, folheando o menu. “Podemos tomar café da manhã?”

Ele acaricia seus pés, na beira da cama, gentilmente. Sentindo a pele macia, ela teme que algo de si tenha sido se perdido dentro daquele homem. A intimidade é incômoda. A imensidão do peito traz memórias de infância que ela quer esquecer, o irmão, outros depois dele. Mas é um toque só. Sempre assim.

O dia está prestes a nascer. As costas largas do homem, refletidas contra o espelho, crescem junto do céu ao fundo. Na mesa de cabeceira, seu desenho no guardanapo: uma porta feita de estrelas, bordejando o corpo de uma mulher. Ela tenta se projetar na imagem, lembrando das palavras dele.

“Quero te imaginar num pedaço de papel. Seu corpo que me preenche e me traz pausas. Há alguma coisa que você quer que eu saiba? Por que você nunca diz nada?

A mulher lembra das mesmas palavras, numa outra ocasião, e do esforço do outro para se fazer compreender. Estavam em Paris, numa rua cujo nome não se lembrava. Naquele momento, de frente a varanda do hotel, toca a cortina branca e transparente, que esconde o rio que parece atravessar a cidade. Não, ela não tomará café da manhã com ele. Mesmo que quisesse, não saberia o que lhe dizer nessa situação. Por isso, troca de roupa e sai da quarto sem nada dizer.

Conto publicado em inglês em The Hamilton Stone Review.